quinta-feira, 28 de julho de 2011

Curiosidades linguísticas de cá...(III)

Quinta em Vila das Aves que,
cerca de 1850, era da família de Arnaldo Gama
Algumas passagens mais de "Só as mulheres sabem amar-Verdades de Ficções 1ºVol - Um defeito de organização"(1856), de Arnaldo Gama, onde se relevam algumas particularidades da linguagem usada por cá há mais de 150 anos:
"Senhor - disse ele - esta minha mulher é tola da cabeça, porém é munto fina; mas a mim não me embaça, conheço-a nos ares. Ela quer dizer que eu sou muito suspedor em boa-fé, mas eu cá me entendo, que sou munto fino. Ora bem cá, mulher do diabo - continuou ele voltando-se para a mulher - não te alembras daquele dia em que a Maricas ficou a chorar, e com a cara bromelha de ûa banda, quando saiu de casa dela a senhora D. Emília, que querem dizer que foi uma bofetada que ela le deu por bia do senhor Fernandinho? Não te alembras que me dicheste que o biste sair de casa dela e ocurtar-se por trás dos amieiros do rio? E demais, acrescentou endireitando a cabeça com ares de discursador que arremessa o seu último e irresistível argumento - de quem querias que fosse o filho? de mim?
- Lebe o demo se o dubido, qu'és muito capaz disso - replicou a mulher com ironia."

domingo, 17 de julho de 2011

Curiosidades linguísticas de cá...(II)

Há décadas que Arnaldo Gama
dá o nome a uma alameda na
Vila das Aves
"Meia hora depois cheguei a casa do meu compadre.(...)-Então tardei?, disse eu, apeando-me.-Não senhor... Ó cachopa - interrompeu-se de repente o meu compadre, chamando para dentro, e já com o meu cavalo de rédea - bem pegar no cabalo do fidaurgo,  e mete-o lá na córte. Não senhor, continuou, voltando-se de novo para mim  - é que infinamente eu bim-me prantar à porta há um tudo-nadica, p'ra ver como ia o clibio do dia, que a modo que teremos por hi moufa...(...)
-Parece-me que não -respondi eu - o dia está encoberto, mas tanto melhor, por causa do calor. Como está a comadre?
- Mercês, beije-me mão de bo-senhoria. Mui bem desbalitada p'la fraqueza, Mas a-dei, senhor, que se lh´há-de fazer?  Coisas do mundo. O surgião mandoule tomar uns caurdos de galinha fortes, e eu, como quem não quer a coisa, fui mandando meter no panêlo ûas catro calcorés que me deu honte o Manel do Rio... Mas infinamente vo-senhoria não entra?
- Eu espero aqui, compadre. Não quero incómodos, e mesmo para os não demorar mais.
- Pois antão não há-de bober ûa pinga?

( em nota de rodapé, Arnaldo Gama esclarece que moufa é cacimba, orvalho, isso que por aí chamam chuva de molha todos, ou tolos, como diz o vulgo. 
Nós garantimos que a palavra ainda se usa por cá com esse sentido... )

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Curiosidades linguísticas de cá...

Arnaldo Gama : estátua no Porto, junto à muralha
Fernandina, próximo da Praça da Batalha
Já foi referido aqui  o livro de Arnaldo Gama "Só as mulheres sabem amar ( Verdades e Ficções, 1º Volume)" -1852 - que o Joaquim Moreira encontrou e cuja leitura partilhou no "Entre-Margens". A procura feita pelo Moreira começou com uma "dica" relativa a uma pesquisa que fizéramos no  Google Books combinando as palavras Arnaldo Gama e Amieiro Galego...
Esta obra do portuense que passava as férias em S. Miguel das Aves, na Quinta do Outeiro, tem muito mais sobre S. Miguel das Aves e sobre a região ( o Minho, de que éramos ... e somos parte, apesar de tudo...) do que "O segredo do Abade", também já referido aqui, aqui e aqui .
Escreve o autor: " O Minho tem uma fraseologia e uma pronúncia particular. Não é só nos bb e nos vv que erra a pronúncia; erra-a nos rr e nos ll ainda mais escandalosamente,e, sobretudo, erra-a no modo arbitrário como cada um pronuncia as palavras, ainda mesmo aquelas que são exclusivas da província". (...). Para provar o que digo, vou pois fazer falar os minhotos com a pronúncia que se pode chamar o tipo geral da província. (...).
 (...) - E o criado?
 - Lá 'stá de catrambias na barra. Honte caijo morria de uma topada à porta do quinteiro: a lûa 'stava bem crara mas aquilo é um 'stavareda, binha muito fistor p'la porta dentro, tropeçou num fueiro que 'stava no chom, e esmurrou as ventans e os queixos na padieira da porta, e esfarrapou as caurças. Ficou com a cabeça vastante relaxada da cahida, e assim pediu-me que biesse 'stifazer a ovrigação.
- E que horas são?
-Aicho que onze; o sol já vai aurto ha munto.


(pag. 35, 36 e 37)
O autor, em nota de rodapé esclarece o leitor sobre as palavras barra e 'stavareda. Esta última ainda se usa por cá. Transcrevo a nota sobre a barra ( que, quando criança, ainda vimos tal e qual...): " Grande taboleiro, sobrado, ou como quiserem chamar, a modo de sótão, cheio de palha, e por cima dos currais do gado, por cuja porta se entra para ele, e onde dormem os criados e os filhos varões dos lavradores do Minho, enquanto são solteiros."