sábado, 28 de janeiro de 2017

Manuel da Silva Mendes: "A Espanha Moribunda"

Transcreve-se a seguir, com grafia atualizada, um texto de Manuel da Silva Mendes, inserto no número 44 de “O Minho – Jornal Político”, publicado em 4 de agosto de 1898 em V. N. de Famalicão


A Espanha moribunda

Nós, os povos latinos, somos os mais incompetentes para apreciar a História da nossa raça nos tempos modernos. Somos educados nos mesmos princípios morais e políticos e, por via de os assimilarmos, não podemos elevar-nos a um critério independente de nós mesmos, como seria necessário para que a nossa apreciação pudesse ser de todo imparcial.
Por isso, qualquer balanço que de nós, os Latinos, resulte sobre o estado atual da Espanha e qualquer previsão que façamos sobre o seu progresso ou regresso futuro, não podem merecer-nos plena confiança. As causas que determinam a deformação de apreciação dos membros da família entre si, são com diferença de intensidade para menos as mesmas que impedem a retidão do juízo crítico dos povos da mesma raça em suas recíprocas apreciações.
Eis uma prova do que afirmamos.
No princípio do conflito hispano-americano todos nós os portugueses exaltávamos o valor, a hombridade, o brio, a disciplina, e não sei que mais coisas bonitas, do exército e da marinha espanhola. Os americanos eram uns indisciplinados; gente de negócios; inadestrados na guerra; com uma marinha de mercenários incapazes de se mostrarem briosos e destituídos do sacro fogo bélico. E afinal?
Afinal, uma desilusão completa. E o resultado, ficarem mais ricos os ricos americanos e a Espanha, sempre inchada como o sapo, à beira da miséria, corrida, destroçada e desmoralizada. Os espanhóis não descem a pedir a suspensão das hostilidades, os espanhóis não se humilham a pedir que lhes não batam – dizia um dia destes um ministro do reino.
Nós, os da raça latina, censuramos a não intervenção da Europa. Mas o facto é que ela não interveio nem intervém e a censura não passa de uma platonice. E de platonice idêntica essa enfiada de palavras sonoras e bonitas: hombridade, brio, honra, y otras cosas mas, que enfeitam um verso mas não se servem à mesa.
Nós gostamos destas mirabolâncias. Ficamos boquiabertos quando ouvimos narrar façanhas tais como o empenhamento das barbas de D. João de Castro (se foi este o prestamista) ou os milagres de Santo António. Ainda hoje no país o livro de mais extração é a cartilha do abade de Salamonde.
A Espanha então vai no couce desta procissão medieval. Os seus principais artigos de exportação são frades e padres para as suas ex-colónias, galegos e camareras, fiestas, processiones, toros, malagueñas constituem a sua riqueza interna. E tudo isto condimentado com honradez, com galhardia, com muito respeito pelas tradições e muito temoe de Diós. É um povo que vive pelo passado; sem vida moderna e sem pão.
O confronto dos povos que desde séculos se emanciparam da educação católico-feudal com aqueles que ainda lhe são subservientes, é sumamente instrutivo. Como os eslavos, os germanos e os anglo-saxões avançam e florescem! E quão retardatários estão os povos de raça latina! Dos inventos modernos saiu algum de Portugal, Espanha ou Itália? Imita-se quando se pode e vai-se vivendo, vai-se caminhando no couce do Progresso acorrentado às briosas, honradas, fidalgas e sempre nobres tradições!...
A Espanha foi assim para Cuba.

                                           SILVA MENDES

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