Transcreve-se a seguir, com grafia atualizada, um texto de Manuel da
Silva Mendes, inserto no número 44 de “O Minho – Jornal Político”, publicado em
4 de agosto de 1898 em V. N. de Famalicão
A Espanha moribunda
Nós, os povos latinos, somos os
mais incompetentes para apreciar a História da nossa raça nos tempos modernos.
Somos educados nos mesmos princípios morais e políticos e, por via de os
assimilarmos, não podemos elevar-nos a um critério independente de nós mesmos,
como seria necessário para que a nossa apreciação pudesse ser de todo
imparcial.
Por isso, qualquer balanço que de
nós, os Latinos, resulte sobre o estado atual da Espanha e qualquer previsão
que façamos sobre o seu progresso ou regresso futuro, não podem merecer-nos plena
confiança. As causas que determinam a deformação de apreciação dos membros da
família entre si, são com diferença de intensidade para menos as mesmas que
impedem a retidão do juízo crítico dos povos da mesma raça em suas recíprocas
apreciações.
Eis uma prova do que afirmamos.
No princípio do conflito
hispano-americano todos nós os portugueses exaltávamos o valor, a hombridade, o
brio, a disciplina, e não sei que mais coisas bonitas, do exército e da marinha
espanhola. Os americanos eram uns indisciplinados; gente de negócios;
inadestrados na guerra; com uma marinha de mercenários incapazes de se
mostrarem briosos e destituídos do sacro fogo bélico. E afinal?
Afinal, uma desilusão completa. E
o resultado, ficarem mais ricos os ricos americanos e a Espanha, sempre inchada
como o sapo, à beira da miséria, corrida, destroçada e desmoralizada. Os espanhóis
não descem a pedir a suspensão das hostilidades, os espanhóis não se humilham a
pedir que lhes não batam – dizia um dia destes um ministro do reino.
Nós, os da raça latina,
censuramos a não intervenção da Europa. Mas o facto é que ela não interveio nem
intervém e a censura não passa de uma platonice. E de platonice idêntica essa
enfiada de palavras sonoras e bonitas: hombridade, brio, honra, y otras cosas mas, que enfeitam um verso
mas não se servem à mesa.
Nós gostamos destas
mirabolâncias. Ficamos boquiabertos quando ouvimos narrar façanhas tais como o
empenhamento das barbas de D. João de Castro (se foi este o prestamista) ou os
milagres de Santo António. Ainda hoje no país o livro de mais extração é a
cartilha do abade de Salamonde.
A Espanha então vai no couce
desta procissão medieval. Os seus principais artigos de exportação são frades e
padres para as suas ex-colónias, galegos e camareras, fiestas, processiones, toros, malagueñas constituem a sua riqueza
interna. E tudo isto condimentado com honradez, com galhardia, com muito
respeito pelas tradições e muito temoe de Diós. É um povo que vive pelo
passado; sem vida moderna e sem pão.
O confronto dos povos que desde
séculos se emanciparam da educação católico-feudal com aqueles que ainda lhe
são subservientes, é sumamente instrutivo. Como os eslavos, os germanos e os
anglo-saxões avançam e florescem! E quão retardatários estão os povos de raça
latina! Dos inventos modernos saiu algum de Portugal, Espanha ou Itália?
Imita-se quando se pode e vai-se vivendo, vai-se caminhando no couce do
Progresso acorrentado às briosas, honradas, fidalgas e sempre nobres tradições!...
A Espanha foi assim para Cuba.
SILVA
MENDES
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