quinta-feira, 28 de junho de 2012

Aves – Negrelos: um despique jornalístico entre amigos, em 1930.(9)


(datada de 5/10/930, continuando do número anterior, a correspondência do Padre António)

 O Telégrafo - Postal de Negrelos ... em S. Miguel das Aves
                Com esta breve descrição parece-me estar a ver a Bruxa, “que a vivos medo e a mortos faz espanto”, de espada desembainhada a comandar as Aves  de mistura com muita bicharia, e ouvir o zumbido dos insectos, o piar dos mochos, o grasnar dos corvos, o regougar das raposas, os uivos dos lobos e o sibilar dos ventos; o latir dos cães, o chilrear dos pardais, o assobiar dos melros, o tagarelar das pegas e o trinar dos rouxinóis e canários; o arfar surdo e cadenciado dos perús, o cacarejar das galinhas, o cantar dos galos e perdizes e finalmente os guinchos estrepitosos e monótonos dos pavões!
                Feita esta digressão voltemos a focar os rios e as Aves de S. Miguel. Da confluência ou junção do rio Ave com o Vizela, em Caniços, é que resultou o Avizela – Ave vizela – e como de Caniços para baixo segue um só rio formado pelos dois Ave-Vizela, o suposto maiorzinho, Ave, empalmou o Vizela, e meteu-o na barriga, ficando a chamar-se Ave e só Ave, que todo lépido e orgulhoso se estende atá Vila do Conde.
                Sumiu-se ou fundiu-se o Vizela com o Ave, em Caniços, e portanto não se formou o santíssima léria do Avezinho, Ave pequenino, mas o Ave maior. Percebeu?
Isto é de instrução primária elementar. Com propriedade e verdade devia chamar-se: Ave-Vizela, ou Avizela, ou Avesão, ou Ave maior, ou simplesmente Ave, como realmente se ficou a chamar.
                (…) Se for preciso escopeta e chumbo também sei atirar para a cabeça das Aves. É uma necessidade dizimá-las, pois já não cabem em todas as casas da sua freguesia. É por isso que querem a Estação de Negrelos, a Telégrafo-Postal de Negrelos, três quartas partes da Fábrica de Negrelos, a Fábrica ou Empresa Industrial de Negrelos, a Mercantil de Negrelos, a Loja Operária de Negrelos, a Fotografia das Aves de Negrelos, bilhetes da rifa para a Igreja das Aves de Negrelos, metade das pontes de Negrelos, a capela da Senhora da Seca de Lordelo, a Fabrica Bermoser de Lordelo, e por este andar chegam à própria Igreja de Lordelo, onde estabelecem a “garage” e nos velhos automóveis que aí há vão à conquista do mundo inteiro.
(… )  O colega em dois artigos faz-me alusão pessoal , transcrevendo só palavras isoladas e escarnecendo de mim , à moda das mulheres de soalheiro.
                Se o colega se limitasse no último e penúltimo números deste jornal a fazer a descrição chulista da sua e da minha freguesia, que deixou os papalvos de boca aberta, eu ria-me da sua manhosa, intencional e contraditória palinódia, e deixava passar carros e carretas, almocreves e ferradores, tocadores de viola, criados de servir, padres e operários, azêmolas e cachorros, gatos e cães de regaço, formigas, mosquitos, carregadeiras de pão, moleiros e taberneiros, jornalistas, estudantes, mendigos, a caliça e aleijões que por aí há e finalmente rapazes e raparigas que nessa freguesia andam amiúde com os baldes na mão a tirar água dos poços e cisternas para matar a sede a essa gente, que, em Romão, já tinha morrido toda se não fosse um benemérito brasileiro;  mas vindo fazer confronto com outras freguesias, inclusive a de Negrelos, quando terminar o assunto – Estação de Negrelos ou das Aves – farei um paralelo entre a sua e a minha freguesia  e verá qual é a mais importante.
                Far-lhe-ei ver que se a sua é pérola ou princesa na aparência, a de Negrelos em tudo e por tudo é rainha.
                Tem essa freguesia a vantagem da bela situação geográfica e o bairrismo desse bom povo, de que  Vª. Revª é o mentor entusiasta.
(…)
                Senão veja o que era a sua freguesia, composta de Romão, Sobrado e Aves, três velhos cacos soldados a resina, para fazer um triângulo maçónico com vértice em Caniços – o inferno!
(….) chega à conclusão que Negrelos é uma ladeira íngreme, sobranceira às Aves, onde há muita humidade, conforme o  colega confessa no último número. Sendo assim, Negrelos está vertendo para as Aves todas as suas águas, o que será transformar a sua freguesia  num escoadouro pouco limpo… A tanto não queria eu chegar.
(…) Por hoje basta, que o relógio dá duas horas da noite.
Au revoir.
Padre António Maria Monteiro Brandão

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