segunda-feira, 18 de junho de 2012

Aves – Negrelos: um despique jornalístico entre amigos, em 1930.(8)

Caniços, (o inferno?) em 1909 

( O Padre António, em Setembro de 1930...)


     Que era ridículo e irrisório já lhe fiz ver, que é despropositado e falso, fácil é demonstrá-lo, sem recorrer à filosofia jocosiana. Para que fosse apropriado era mister que o Rio Ave, de quem a sua freguesia parece herdar, embora impropriamente o onomástico Aves passasse mais perto da Estação que Rio Vizela, mas é o contrário.(…) Portanto devia chamar-se estação do Rio Vizela, a indicar que este rio passava perto, e não estação do Rio Ave, que está longe e muito menos das Aves, a não ser que este nome derive de passarada.
     Transformar-se de Rio Ave em fêmeas Aves ou confundir-se, o meu amigo não quer por recomendação expressa de última vontade , antes de lhe arrefecer o céu da boca. Além disso
        A transformação por metempsicose do Ave, rio,  em aladas bicharocas Aves, é um disparate, um verdadeiro contra-senso, uma falsidade!
        Deveria neste caso chamar-se freguesia e estação do Ave, e não das Aves, como bem fizeram os habitantes de Riba d’Ave, de Santo Tirso de Riba d’Ave (…), e os de sobre o Tâmega, etc. que não usaram o plural, mas o singular.
        É uma falsidade, é um erro, dizer que um é ao mesmo tempo dois, e portanto, acertadamente andaram estes povos cultos e civilizados em usar o onomástico Ave e Tâmega e não Aves e Tâmegas, etc.
        Das duas uma, não há que fugir, ou os antepassados da sua freguesia puseram ou deram o nome de Aves por causa da passarada, ou então temos forçosamente de concluir que eram estúpidos e bárbaros; e ainda existem na sua freguesia alguns bárbaros, e é o colega  que o afirma em letra redonda, no último número deste belo jornal!
        De tudo isto se vê claramente que há corrupção e transformação de palavras e de sexo e, portanto, o nome de Aves é despropositado, impróprio e falso. Ora isto implica a existência dum nome próprio e verdadeiro, e este é Negrelos . Por conseguinte, não deve jamais chamar-se das Aves, mas Estação de Negrelos. Ademais as Aves, como seres viventes, morrem, statutum est semet mori, depois de mortas corrompem-se, e conseguintemente cheiram mal, jam fetet; ao que mal cheira chama-se porcaria, que nem toda a água do rio Vizela, com muito sabão de mistura, é capaz de lavar.
        O colega varias vezes afirma, e uma vez tentou infantilmente demonstrar que a sua freguesia tirou o nome dos dois Aves. Qual Aves? Ou qual carapuça? Nunca se chamaram Aves aos dois rios  até Caniços, nem tão pouco daqui a Vila do Conde.
         (…) O rio Vizela com propriedade filológica ou científica jamais teve o nome de Avezinho, rio pequenino. Onde estava o rio grande para termo de comparação? Avizela, rio pequenino, companheiro e amigo inseparável do Ave, rio grande! (…)
         O meu amigo e colega padre Lemos a respeito da ciências filológica está muito atrasado, não pesca patavina, e não admira, porque os seus dicionários estão errados neste ponto ou são a sucata da biblioteca da Bruxa ou Moura Encantada de Valgas, com morada antiquíssima nessa freguesia. Decomponha como quiser, e dê-lhe a etimologia mais arguta que entender que com propriedade científica não consegue do Vizela fazer Avizela, rio mais pequeno (…)
         Na bruma dos séculos, até há cinquenta anos os habitantes de S. Tomé de Negrelos e de Rebordões, e toda a gente dizia que o lugar de Caniços era o inferno, e apontando para a minúscula e antiquíssima freguesia de Romão e para toda a parte sul de S. Miguel, a que foi anexa, chamavam  a África, e bem o parecia.
        O colega não o pode negar e sabe perfeitamente que ainda aí existem exemplares autênticos de bárbaros e vestígios dos romanos e dos mouros…
          Era realmente feio o caco velho de Romão e toda a parte sul das Aves, que desde Romão abrangia o covil da Bruxa de Valgas e a aldeola do Tiromiro e seus vizinhos Salsa e Capela; estendendo-se pelo  lado de baixo da Botica Velha abrangia o moinho do Ruivo e tinha como terminus a casa em que nasceu o antigo Saia, mais tarde benemérito Conde de S. Bento.
(continua)

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