domingo, 3 de junho de 2012

Aves – Negrelos: um despique jornalístico entre amigos, em 1930.(5)


(a prosa do Padre António, continuação…)


Já que entrei nos domínios da filosofia, apesar de não ter a elegância demosténica, filosoficamente lhe vou demonstrar que se na Estação se inscrevesse a palavra Aves o colega seria o primeiro a arrepender-se e não haveria chefe que fizesse o serviço.
Para isso vou estabelecer as premissas. A primeira será tirada da filosofia Tomista, e o restante da filosofia Jocosiana.  Jocoso, como  sabe, é um filósofo de fama mundial. A sua monumental filosofia entra em todas as Universidades científicas. Nas Academias, Liceus, Colégios e Seminários é muito manuseada.(…)
Se na estação se eliminasse a palavra Negrelos e fosse substituída pelo irrisório Aves, a rapaziada, lendo este nome, munia-se de fisgas e logo que visse o Chefe à janela com os vivos amarelos no barrete, supondo que era um canário ou um papa-figos  – zás – uma fisgadela  na testa do chefe, e ficava morto. E caso não morresse e estonteado fugisse , a rapaziada subia à janela para caçar o passarinho; entrava e era presa pela autoridade, como bando de gatunos e assassinos.
Em visto do exposto não havia chefe que quisesse fazer os serviço, a não ser um descrente ou um louco, mas isso não convinha e, portanto, o colega Padre Lemos dizia: “ mude-se outra vez o nome, Negrelos é que deve ser e não Aves”.
Tornava a estação a chamar-se de Negrelos e não das Aves: damos de barato que o amigo Padre Lemos não se dava por vencido com este argumento autenticamente Jocosiano.
Se esta demonstração o não convence, como nos há de convencer  a sua reles demonstração de que Negrelos vem de ager  e de niger?
Negrelos decomposto não descende de tais bicharocos  nem de ager  e niger. Isso é uma invenção sua ou de algum nefelibata, muito inferior à minha Jocosiana, que é mais provativa; e não repugna acontecer o que por sua argumentação se pretende demonstrar.
Niger e ager são Aves glicónicas que não arribam a Negrelos, e alimentam-se nos arrozais da sua fértil e mimosíssima freguesia.
(…)  O amigo Padre Lemos ao ver a palavra Negrelos na estação fica desnorteado, arrepiam-se-lhe os cabelos, crispam-se-lhe as mãos  e com os nervos em contínua vibração, puxa do florete e investe contra o seu inimigo Negrelos, como o camponês contra os paus de ferro e o D. Quixote contra o moinho de vento.
O seu amor apaixonado pelas Aves queridas ofusca-lhe o espírito e faz-lhe ver preto o que é branco e bonito o que é feio. (….) o amor é um binóculo prismático que deforma a verdade.
É por isso q eu num artigo o meu amigo escreve : o Negrelos da minha embirra é o das estações férrea e do telégrafo postal; noutra parte finge não saber o que Negrelos é e noutro artigo dá-lhe personalidade jurídica responsável, porquanto chama-lhe usurpador, e ser preciso bani-lo e fazê-lo passar o Avizela. Apelida-o de feio e estrangeiro , e noutro eleva a adjectivação ao superlativo, e denomina-o de estrangeiríssimo. Para fundamentar a sua proposição argumenta: que não nasceu nas Aves, nem está registado no civil nem no religioso.
O meu amigo falta à verdae duas vezes só neste período; porquanto nasceu aí na estação que
Impropriamente pretende cognominar das Aves e está registado oficialmente como passo a demonstrar.
O Negrelos a que se refere não é estrangeiro porque nasceu na estação apenas ela chegou à idade e hora própria de ser mãe, viveu sempre em sua companhia, foi baptizada por quem de direito  e, agora que tem maior idade e fez as bodas de ouro, jamais a largará.
Além disso não é estrangeiro porque só se chama e é estrangeiro  o território, idioma, pessoas ou coisas de Pátria diversa.
Ora Negrelos é do nosso pátrio Minho, da nossa linda e poética região(…)
Está registado oficialmente nos livros do chefe da Estação e em muitos cartões, cartazes e anuários ferroviários.(…)
Mudar o nome nesta altura seria um disparate incompreensível, um verdadeiro absurdo e faria um transtorno enorme. Isto é tão intuitivo que não carece de demonstração.
Se os das Aves querem uma Estação com o nome da sua freguesia que façam uma nova em terreno que lhe pertença  e não no terreno que agora não é seu, porque o venderam
à Sociedade Soares Veloso em Comandita. A estação que aí está é tanto sua como minha, pertence tanto às Aves como aos de Negrelos, Rebordões, Roriz, Monte Córdova, etc  (…)
Os de S. Tomé não reconhecem aos de S. Miguel o direito de lhe imporem o nome despropositado de Aves e gloriam-se de ver e ler na estação o histórico e fidalgo – Negrelos.

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